Espaço de discussão e reflexão sobre a experiência do olhar e suas reverberações no corpo na construção/remontagem do espetáculo de dança contemporânea "feche os olhos para olhar" da desCompanhia de dança.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

gente viva é isso

No dia 21 de setembro de 2010, nosso amigo-parceiro-artista-criador Alexandre Zampier foi assistir o ensaio do nosso espetáculo (que agora tem nome!) "feche os olhos para Olhar". Suas anotações sobre este ensaio são de extrema sensibilidade e generosidade. Portanto, decidimos compartilhá-las aqui no blog. O assunto da postagem é o mesmo que ele próprio me enviou por e-mail. Então, aí vai:


intimidade através do movimento silencio
a unica fala é o respiro
respiração conduz a um beijo interior
meu coração esta aqui como um sonho lúcido
todo sentido te desnudar dançando
fico corpo teu a dançar com meus olhos fechados
poesia é amor
nossa historia de sentimentos
ofega teu coração na minha cara
o arfar molhado com costelas inchadas
bicos e olhos longe
nosso olhar é anterior a vontade
eu estou aqui
e quando abre a porta
entra o frio
o fim se aproxima
amor começar tudo de novo

terça-feira, 21 de setembro de 2010

sobre a presença

Trechos do livro A Porta Aberta, de Peter Brook:

"Se o momento presente for acolhido de modo particularmente intenso (...) a fugidia centelha da vida pode despontar no som certo, no gesto certo, no olhar e na reação certas. Assim, em mil formas totalmente inesperadas, o invisível pode aparecer. Quem anseia pelo sagrado deve procurar com atenção."

"O sagrado é uma transformação qualitativa do que originalmente não era sagrado. O teatro baseia-se em relações entre seres humanos que, por serem humanos, não são sagrados por definição. A vida de um ser humano é o visível através do qual o invisível pode aparecer."

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Silêncio da visão

“O olhar está, em se tratando do uso filosófico do conceito, ligado à contemplação, termo que usamos para traduzir a expressão Theorein, o ato do pensamento de teor contemplativo, ou seja, o pensar que se dá no gesto primeiro da atenção às coisas até a visão das idéias tal como se vê na filosofia platônica. Paul Valéry disse que uma obra de arte deveria nos ensinar que não vimos aquilo que vemos. Que ver é não ver. Dirá Lacan: ver é perder. Perder algo do objeto, algo do que contemplamos, por que jamais podemos contemplar o todo. O que se mostra só se mostra por que não o vemos. Neste processo está implicado o que podemos chamar o silêncio da visão: abrimo-nos à experiência do olhar no momento em que o objeto nos impede de ver.
Uma obra de arte não nos deixa ver. Ela nos faz pensar. Então,
olhamos para ela e vemos.” (TIBURI, 2008)

O ator consegue prender a atenção do espectador quando ele tem a capacidade de criar um espaço vazio.

Peter Brook em seu livro A porta aberta fala que “para se ter teatro, basta apenas existir um espaço vazio, alguém transitar por ele e alguém observar”. Para Peter, o ator consegue prender a atenção do espectador quando ele tem a capacidade de criar um espaço vazio, que é a capacidade do ator em levar o público à outra dimensão, um estado transitório que o ator deve estar em sintonia com a platéia e com a incorporação do personagem, ele deve ter a capacidade de levar o público a sair de seus mundos particulares e entrar na história da peça, imaginar estar em outro lugar. O ator deve estar em meio a duas dimensões, a da vida real, onde as pessoas a qualquer momento podem se desligar; e o mundo da imaginação da peça a qual ele esta atuando. Você ver o que você quer ver, se você não focar sua atenção para algo, várias coisas podem não serem observadas. É o olhar e ver.
Justino Batista Pereira Neto
Departamento de Comunicação Social – UFRN
Retirado do artigo O ESPAÇO VAZIO, A VISÃO E A CÂMERA
Para ver o texto na integra clicar aqui.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Efemeridade das coisas…

Às vezes sinto que as soluções que estão externa da gente é frágil demais. Mas também eu percebo que aquilo que está fora da gente é prazeroso de descobertas e aprendizados. Talvez o segredo não é o que está fora da gente, e sim, a relação que temos do interno para o externo. Porque as coisas externas morrem, eu morro. E o que pode ser renascida e reconfigurada são as relações.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Pensar é estar doente dos olhos

Trechos da obra "O guardador de rebanhos" de Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa. Acho que temos aqui muitas respostas para as nossas questões sobre a presença que desejamos construir para o espetáculo. Belíssimo!

II - O Meu Olhar

O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de, vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...
Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo.Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender ...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar ...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...

XXIV - O que Nós Vemos

O que nós vemos das cousas são as cousas.
Por que veríamos nós uma cousa se houvesse outra?
Por que é que ver e ouvir seria iludirmo-nos
Se ver e ouvir são ver e ouvir?
O essencial é saber ver,
Saber ver sem estar a pensar,
Saber ver quando se vê,
E nem pensar quando se vê
Nem ver quando se pensa.
Mas isso (tristes de nós que trazemos a alma vestida!),
Isso exige um estudo profundo,
Uma aprendizagem de desaprender
E uma seqüestração na liberdade daquele convento
De que os poetas dizem que as estrelas são as freiras eternas
E as flores as penitentes convictas de um só dia,
Mas onde afinal as estrelas não são senão estrelas
Nem as flores senão flores.
Sendo por isso que lhes chamamos estrelas e flores.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Natureza da reciprocidade da visão - John Berger

Logo depois de podermos ver, nos damos conta de que podemos também ser vistos. O olho do outro combina com o nosso próprio olho, de modo a tornar inteiramente confiável que somos parte do mundo visível.
Se aceitarmos qeu podemos ver aquele morro ao longe, estamos propondo que daquele morro podemos ser vistos. A natureza da reciprocidade da visão é mais fundamental do que a do diálogo falado. E com frequência o diálogo é uma tentativa de verbalizar isso… uma tentativa de explicar como, quer metaforica ou literalmente, “você vê as coisas”, e uma tentativa de descobrir como “ele vê as coisas”.
John Berger – Modos de Ver - Tradução: Lúcia Olinto (J. Berger, Ways of Seeing. London: BBC 1972, p. 7)

Olhar é um ato de escolha - John Berger

“Só vemos aquilo que olhamos. Olhar é um ato de escolha. Como resultado dessa escolha, aquilo que vemos é trazido para o âmbito do nosso alcance – ainda que não necessariamente ao alcance da mão. Tocar alguma coisa é situar-se em relação a ela. […]. Nunca olhamos para uma coisa apenas; estamos sempre olhando para a relação entre as coisas e nós mesmos. Nossa visão está continuamente ativa, continuamente em movimento, continuamente captando coisas num círculo à sua própria volta, constituindo aquilo presente para nós do modo como estamos situados.”
John Berger – Modos de Ver - Tradução: Lúcia Olinto (J. Berger, Ways of Seeing. London: BBC 1972, p. 7)
P.S. Aquilo que não conseguimos ligar os pontos (relacionar) não enxergamos. Yiuki

Ver precede as palavras - John Berger

“Ver precede as palavras. A criança olha e reconhece, antes mesmo de poder falar.
Mas existe ainda outro sentido no qual ver precede as palavras: o ato de ver que estabelece nosso lugar no mundo circundante. Explicamos esse mundo com as palavras, mas as palavras nunca poderão desfazer o fato de estarmos por ele circundados. A relação entre o que vemos e o que sabemos nunca fica estabelecida. A cada tarde, vemos,  o Sol se pôr. Sabemos que a Terra está se movimentando no sentido de afastar dele. No entanto, o conhecimento, a explicação quase nunca combinam com a cena.”
John Berger – Modos de Ver - Tradução: Lúcia Olinto (J. Berger, Ways of Seeing. London: BBC 1972, p. 7)